* Herói de Verdade *
Waldir Capucci - SP
*
HERÓI DE VERDADE
Eu era ainda criança e cursava
os primeiros anos de aprendizado quando o conheci. E nossa convivência durou
cinco anos naquele prédio, período do início da minha vida escolar. Recordo
quando se apresentava na classe e todos ficávamos em pé, e da mesma forma nos
portávamos quando se retirava. Ele tinha um diferencial que o tornava mais
querido que os demais adultos da escola.
Sua função? A mais simplória na
hierarquia, um mero servente escolar cuja tarefa primordial consistia em varrer
o pátio e as salas, mas fazia muito mais. Apartava nossas brigas no recreio e
nas ruas, consertava portas e janelas, eliminava goteiras, cortava a grama,
cuidava das árvores e fazia todos os reparos elétricos, hidráulicos e
mecânicos. Um autêntico super-herói da minha infância, capaz de realizar
tarefas complexas superando todos os obstáculos sempre com um sorriso
característico.
Cresci
e mudei para outra unidade de ensino, fui enfrentar novas etapas do aprendizado
e acabamos perdendo contato. Ficou para mim a lembrança do servente amigo e,
nas poucas vezes que o encontrei depois, recebi além do abraço o mesmo sorriso
marcante como saudação.
Quis o destino que com o passar
dos anos eu me tornasse amigo de seus filhos, elo que permanece ainda hoje. E a
amizade me revelou um lado desconhecido daquele senhor. O humilde servente era
um militar reformado com participação nos campos de luta da Segunda Guerra
Mundial e sobrevivente da batalha de Fornovo di Taro, na Itália. Sim, não era
somente herói dos meus tempos de escola primária, era mais do que isso, um dos
heróis da pátria, expedicionário da FEB, que por sua bravura recebeu como prêmio pós-guerra o nada prestigioso cargo de servente escolar,
que exercia com tamanha dignidade.
Meus olhos passaram a vê-lo sob
outra ótica, o respeito cresceu, assim como eu também cresci e as obrigações de
adulto provocaram nossa distância por longo período. Casei, tive filhos e
netos, trabalhei e morei em outros locais, e nas poucas vezes que retornava
para minha cidade os encontros familiares e com amigos ocupavam minha agenda.
Fiquei anos sem encontra-lo, até que recebi a notícia de sua morte, aos 98 anos
de idade, após longa enfermidade. O último combatente da campanha na Itália que
permanecia vivo em minha cidade finalmente fora derrotado. Porém, ao mesmo
tempo, viver quase cem anos foi sua derradeira vitória.
Decorridos vários meses da sua
partida pus-me a relembrar algumas passagens do nosso relacionamento. E senti
orgulho de ter conhecido um herói real, de carne e osso. O velho servente do
meu passado, sem superpoderes fantasiosos, capa, espada ou máscara, tinha como
armas uma simples vassoura, um sorriso nos lábios e um coração enorme, e muito
mais força e poder que os super-heróis atuais, com seus nomes americanos e
japoneses que nem consigo decorar.
São gostosas e saudosas lembranças
que me deixam convicto que já não se fazem ou existem heróis como antigamente.
*
Dados do Autor:
Natural de Jacareí/SP, o autor, Waldir Capucci, tem na sua cidade natal e região do Vale do Paraíba as principais fontes de inspiração para seus textos, geralmente com pitadas de humor e doses de saudade. Participa de concursos literários desde 2009, e foi agraciado algumas vezes com seus contos, crônicas e poesias.
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário