domingo, 21 de outubro de 2018

ESQUINA DO CAUSO ANTOLOGIA - CRONICAS BIOGRAFICAS * Antonio Cabral Filho - R

Esquina do Causo Antologia - Crônicas Biográficas
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Antologia Esquina do Causo - Crônicas Biográficas * Antonio Cabral Filho - RJ
Título da publicação
Antologia Esquina do Causo - Crônicas Biográficas * Antonio Cabral Filho - RJ
Data da publicação
21 de Outubro de 2018 18:53
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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Mãe Aninha Do Céu * Gilberto Cardoso dos Santos - PB

*MÃE ANINHA DO CÉU*

(Gilberto Cardoso dos Santos)





Não era minha mãe, mas aprendi a chamá-la de mãe Ana. Quando minha verdadeira mãe morreu, eu tinha menos de quatro anos. Nada entendi daquele momento. Enquanto a velavam na casinha onde – ainda não sabia eu – passaria a morar, eu brincava e ria embaixo da mesa. Alguém me repreendeu pelo comportamento irreverente, e muito chorei por isso. Dali saiu mamãe para o cemitério, e ali fiquei sob a tutela desta segunda mãe, eu, dois irmãos e uma irmã.

Minha mãe legítima também havia sido criada por ela. Ela própria nunca teve filhos. Acreditamos que fosse estéril. A ela se referiam como Dona Ana, ou Ana do finado Mané João, a quem não tive oportunidade de conhecer.

Cedo vieram as peripécias próprias de cada idade. No telhado suportado por caibros e  varas tortas, via-se um pedaço de mangueira, pouco mais de meio metro. Não estava ali para cumprir a real função para a qual havia sido feita – a de conduzir água – todavia tirava água dos meus olhos, e como tirava!

A cada ato infracional, a cada pecado, eu era instado a olhar para o alto. Mirava, para além das telhas, para o olhar severo de Deus; mas o que eu via mesmo era a mangueira que parecia hibernar á semelhança de cobras, à espera do momento de ser empunhada pela vigorosa mão de minha avó e picar-me aparentemente sem piedade. Raras vezes ela dali a retirava. Com severidade similar à dos profetas velho-testamentários, a apontava e fazia promessas nada agradáveis. Apenas isso, o mostrá-la, tinha enorme efeito sobre meus instintos rebeldes. 

Às vezes, porém – raríssimas vezes -, eu não era dono mim e cometia falhas imperdoáveis. Mesmo a casa sendo baixa, dona Ana precisava ficar na ponta dos pés, como bailarina, e estendia o braço para retirá-la. Eram instantes enlouquecedores. Se eu tentasse correr, vinha a ameaça de que a surra seria maior. Sem sair do lugar e seguro pelo braço, aguentava a primeira lamborada nas pernas. A dor era lancinante. Eu não resistia e começava a gritar pedindo misericórdia, por mais que ela ordenasse que calasse a boca. Desde a primeira vez que apanhei passei a fazer uso de um vocativo, que espontaneamente brotava do fundo de meu desespero: Mãe Aninha do céu.

Enquanto pulava igual pipoca no caco, gritava mais ou menos assim: “Ai! Ai! Dê mais não, mãe Aninha do céu!

A cada surra, os vizinhos ouviam a expressão inusitada e isto se transformou num bordão e apelido. Riam de mim enquanto repetiam “Ai, mãe Aninha do céu!” 

Mãe Aninha do céu era algo que eu dizia apenas quando era castigado. Fora isso, chamava-a apenas de mãe Ana.


Hoje, mais do que nunca, vejo quanto foi do céu aquela que tomou conta de mim e de meus irmãos quando mais precisávamos. Se hoje pudesse vê-la, não necessitaria estar com a mangueira à mão para me ouvir chamá-la assim.  

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DADOS DO AUTOR

Gilberto Cardoso dos Santos é filho natural de Cuité, PB e tem cidadania potiguar. Reside em Santa Cruz, RN. É educador, formado em Letras e Mestre em Literatura e Ensino pela UFRN; é um dos fundadores da APOESC e membro da Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel (ANLiC); produz crônicas, contos, cordéis, textos teatrais etc. 




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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Um Homem Também Chora * Fátima Esteves - PT

*Um Homem Também Chora*
Fátima Esteves - PT
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Um homem também chora

Quando mergulho nas brumas da memória, vislumbro lá longe a imagem do meu bisavô, António Martins, mais conhecido como António dos Ovos, sentado na carroça em descanso, na cabana do avô Mário. Sempre de barrete preto na cabeça, a lembrar os pescadores da Nazaré. Neste caso, para proteger do frio a cabeça que o cabelo há muito abandonara.
O meu bisavô viveu num tempo em que a máxima - “Os homens não choram” – condicionava o comportamento da maioria dos homens. No entanto, António dos Ovos chorou, chorou muito no dia em que a bisavó Natividade partiu deste mundo.
Nesse dia e nos que se seguiram, recusou dormir no quarto que ambos partilharam durante décadas e onde nasceram os seus dez filhos, entre os quais o meu avô Mário.
Durante semanas, não saiu da cozinha, onde sentado à mesa com a cabeça apoiada entre as mãos, viveu a dor mais cruel, que lhe escorria pelo rosto e se fazia ouvir, de vez em quando, nos lamentos e suspiros profundos de um coração esmagado pela dor da separação.


Num tempo em que não era suposto um homem chorar, o meu bisavô chorou por amor!

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Dados da Autora

Maria de Fátima Esteves Martins nasceu a 13 de janeiro de 1969, no concelho de Mação, no distrito de Santarém – Portugal.
No início de 2014, começou a participar em concursos literários, têm cerca de duas dezenas de textos publicados em ebooks e em antologias, em Portugal, Espanha e no Brasil. 
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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Herói de Verdade * Waldir Capucci - SP

* Herói de Verdade *

Waldir Capucci - SP
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HERÓI DE VERDADE
                Eu era ainda criança e cursava os primeiros anos de aprendizado quando o conheci. E nossa convivência durou cinco anos naquele prédio, período do início da minha vida escolar. Recordo quando se apresentava na classe e todos ficávamos em pé, e da mesma forma nos portávamos quando se retirava. Ele tinha um diferencial que o tornava mais querido que os demais adultos da escola.
                Sua função? A mais simplória na hierarquia, um mero servente escolar cuja tarefa primordial consistia em varrer o pátio e as salas, mas fazia muito mais. Apartava nossas brigas no recreio e nas ruas, consertava portas e janelas, eliminava goteiras, cortava a grama, cuidava das árvores e fazia todos os reparos elétricos, hidráulicos e mecânicos. Um autêntico super-herói da minha infância, capaz de realizar tarefas complexas superando todos os obstáculos sempre com um sorriso característico.
Cresci e mudei para outra unidade de ensino, fui enfrentar novas etapas do aprendizado e acabamos perdendo contato. Ficou para mim a lembrança do servente amigo e, nas poucas vezes que o encontrei depois, recebi além do abraço o mesmo sorriso marcante como saudação.
                Quis o destino que com o passar dos anos eu me tornasse amigo de seus filhos, elo que permanece ainda hoje. E a amizade me revelou um lado desconhecido daquele senhor. O humilde servente era um militar reformado com participação nos campos de luta da Segunda Guerra Mundial e sobrevivente da batalha de Fornovo di Taro, na Itália. Sim, não era somente herói dos meus tempos de escola primária, era mais do que isso, um dos heróis da pátria, expedicionário da FEB, que por sua bravura recebeu  como prêmio pós-guerra  o nada prestigioso cargo de servente escolar, que exercia com tamanha dignidade.
                Meus olhos passaram a vê-lo sob outra ótica, o respeito cresceu, assim como eu também cresci e as obrigações de adulto provocaram nossa distância por longo período. Casei, tive filhos e netos, trabalhei e morei em outros locais, e nas poucas vezes que retornava para minha cidade os encontros familiares e com amigos ocupavam minha agenda. Fiquei anos sem encontra-lo, até que recebi a notícia de sua morte, aos 98 anos de idade, após longa enfermidade. O último combatente da campanha na Itália que permanecia vivo em minha cidade finalmente fora derrotado. Porém, ao mesmo tempo, viver quase cem anos foi sua derradeira vitória.
                Decorridos vários meses da sua partida pus-me a relembrar algumas passagens do nosso relacionamento. E senti orgulho de ter conhecido um herói real, de carne e osso. O velho servente do meu passado, sem superpoderes fantasiosos, capa, espada ou máscara, tinha como armas uma simples vassoura, um sorriso nos lábios e um coração enorme, e muito mais força e poder que os super-heróis atuais, com seus nomes americanos e japoneses que nem consigo decorar.


                São gostosas e saudosas lembranças que me deixam convicto que já não se fazem ou existem heróis como antigamente.
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Dados do Autor:
Natural de Jacareí/SP, o autor, Waldir Capucci, tem na sua cidade natal e região do Vale do Paraíba as principais fontes de inspiração para seus textos, geralmente com pitadas de humor e doses de saudade. Participa de concursos literários desde 2009, e foi agraciado algumas vezes com seus contos, crônicas e poesias. 
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