domingo, 12 de novembro de 2017

A Árvore e Seus Frutos - Crônica Biográfica * Antonio Francisco Pereira - MG

A ÁRVORE E SEUS FRUTOS

( O Autor recebendo premiação do SESC - DF)


     Antônio Pereira e Conceição de Souza. Seus ossos repousam no cemitério de Queluzito, Minas Gerais. Juntinhos. E foi nessa condição – juntinhos – que eles trouxeram ao mundo dez filhos. Eu, no meio.  Apesar de todas as dificuldades, nenhum fruto renegou a árvore. Mais conhecido como “seu Tuniquinho”, meu pai deixou vários exemplos que construíram a sua imagem de homem reto. Antes de narrar um deles (que vale por todos), vou contar outro episódio bem mais recente, noticiado pela imprensa, que mostra a inversão de valores dos tempos atuais.
     É sobre uma bela jovem, com um lindo nome, que rima com poesia. Ela sonha ser médica num país que importa médicos. Aparentemente a família não tem problemas financeiros. Portanto, se se acrescentar a esse sonho perseverança, método e aplicação nos estudos, a receita (que nem precisaria da beleza da moça) seria favas contadas. Questão apenas de tempo.
     Mas a jovem, desmentindo o próprio nome, que significa sabedoria, quis avançar pela contramão na hora de fazer as provas do ENEM. Com o dinheirinho do papai pagou a uma quadrilha quase duzentos mil reais para receber, mastigadinhas, as respostas das questões por meio de um ponto eletrônico. Tudo muito simples e ao mesmo tempo sofisticado. Bastava tossir uma ou duas vezes (respectivamente SIM e NÃO) e a questão, que milhares de outros candidatos se esfalfaram para aprender, estava resolvida. Depois, outra e mais outra. Imagino até que ela tenha levado uma caixinha de pastilhas Valda para a sala, na eventualidade de o fiscal questionar aquele sonoro e persistente desconforto na garganta (Aceita uma, professor?)
     Descoberto o “embuste” (nome da operação policial), a moça se fechou num muro de lamentações e o paizão deu as caras, assumindo a paternidade (sem redundância) do sorrateiro plano. Justificativa? Queria dar o melhor para sua filha, pavimentar o seu caminho em direção ao futuro.
     Aqui, do meu cantinho, não quero julgar nem um nem a outra. Que a Justiça cuide do caso da melhor maneira possível, avaliando se o DNA da desonestidade passou do pai para a filha.
     Também não quero fazer comparação entre métodos de educação paterna, mas esse episódio me remete ao fato apregoado há pouco, de natureza semelhante, que marcou minha infância e ajudou a moldar meu futuro. E é nesse ponto que eu volto à figura do meu pai. 
     Tinha eu 12 anos quando comecei a trabalhar numa farmácia, de onde, certo dia, surrupiei um vidro de shampoo, que valeria hoje cerca de dez reais. Descoberto o “crime”, meu pai me carregou pela orelha até a farmácia, para devolver o produto e pedir desculpas ao seu dono, explicando-me, nas palavras de homem do campo, a diferença entre o certo e o errado e que, em termos de retidão, tanto um pequeno córrego como um rio profundo podem refletir a luz do sol.
     Até hoje aquelas palavras reboam em meu ouvido. E até hoje tenho a impressão de que uma orelha é maior do que a outra por conta daquele arrastão. Quem quiser tirar a dúvida pode chegar mais perto e medir as duas. Eu não me importo. Como importar, se foi exatamente aquele puxão de orelha à moda antiga e outras reprimendas do mesmo calibre - sem resvalar para o campo da violência - que fizeram com que nunca passasse pela minha cabeça comprar a vaga dos meus filhos na faculdade ou em qualquer concurso público?
     Vagas que eles conquistaram por mérito próprio, sem nenhuma cola, nenhuma tosse, nenhum ponto eletrônico. E de acordo com o ensinamento de que há um tempo de plantar e um tempo de colher.
     E só para finalizar: meu pai e minha mãe educaram, nesses moldes, uma penca de filhos sem nunca terem lido, em William Shakespeare, que “nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade.”
     Pais assim não morrem nunca.

Antonio Francisco Pereira-MG
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