quinta-feira, 15 de junho de 2017

Crônica Biográfica * Ângela Matos - MG

Crônica Biográfica * Ângela Matos - MG


 Só pra não dizer que não contei de mim: nascida em Jampruca, ou melhor dizer, no distrito do Prata. Interior do interior . Para ser mais precisa, debaixo de uma grande e velha mangueira.
Era tempo de muitas chuvas, dezembro, e sem estrada não tinha como meu pai, o senhor Leandro, passar com seu caminhão Ford cheio de sacas com milho e feijão. 
Sim senhor!
Levava tudo para vender em seu armazém da Praça em Jampruca.
Nesses tempos as mulheres tinham seus filhos com ajuda das parteiras, e nesta viagem minha mãe tinha ido. No entanto as chuvas demoraram e chegou o dia do meu nascimento: aos 09/12/67.
Logo chegando em casa meu pai foi  a Governador Valadares para fazer o registro de nascimento; não me pergunte o porquê. 
Nascer no Prata,  morar em Jampruca e ser registrado em Gv...

Infância tranquila,  típica de interior. Assim como deve ser.
Com muita fogueira, cantiga de roda, missas aos domingos,
namoros também depois  da missa...
Lembro do tempo da escola, dos colegas de caminho e das brigas no recreio.
Foram muitas por motivo  de bullying... os meninos e as meninas cantavam e faziam músicas com versos:
"Zoi de gato
Quarenta e quatro
Vai na missa 
Sem sapato."
Meu irmão mais velho, o Lioclério, várias vezes foi na escola para me defender e lavar a honra da família com socos e chutes na molecada. Assim dizia ele...
A escola ficava num bairro denominado "Vulcão", numa planície cheia de braquiara, com um caminho estreito de chão batido. Escola de latão laranja encardido.
Isto não fazia diferença. Importante era poder ir para a escola. Ainda lembro com saudade da minha doce professora da quarta série, irmã do Seu Tatão, a Nininha.
Sempre carinhosa comigo; foi ali que descobri minha vocação. Queria ensinar!
Naqueles dias a diversão consistia em brincar na rua, ou roubar fruta nos quintais vizinhos e até  mesmo ver TV na casa alheia. Era muito raro televisão em casa.
Já adolescente eu gostava muito de dançar discoteca.E para isto ficávamos ensaiando no bar do armazém do meu pai.Tinha uma vitrola antiga lá.Quando não tinha serviço ou ele se distraía, colocávamos o CD vinil da Dana Summer pra rodar a tarde toda.
Eu e o mauro,meu irmão caçula, ganhávamos todos os concursos de dança no salão da Dejanira.
  Nunca me esqueci da famosa cuba-libre (água, rodelas de limão,vodca,gelo e coca-cola).Naqueles tempos era chique tomar esta bebida. Tudo era mais simples e prazeroso. Era o "must"frequentar aquele ambiente sempre que pai deixava.
Cresci trabalhando e estudando.Tinha que trabalhar no armazém e às 17:30 minutos deveria estar na praça Ana Magalhães,  pois o ônibus do senhor Belques já esperava para levar os estudantes à escola de Ensino Médio em Frei Inocêncio. Jampruca só tinha até ensino Fundamental. Confesso que custei entender a diferença do que era fundamental ou médio. 
Casei -me assim que terminei o Médio.Uma semana depois já estava na igreja
juntamente com mais seis casais, o padre Gino é quem abençoava os casamentos naquele tempo.Tenho até foto com ele.
Meu namorado, arranjei logo no começo do curso, era um colega que cursava o segundo ano na mesma escola em Frei Inocêncio.
Tempo passou muito rápido.Um casamento complicado que durou sete anos, quando por fatalidade de um acidente, fiquei viúva com dois filhos...

Casei- me novamente, dezoito meses depois e tive mais uma filha.
Retomei os estudos e cursei letras na UNIVALE, sonho antigo. Era faculdade, trabalho na escola e compromissos domésticos. Escrevi, editei, lancei livro.Perdi minha filha, também de forma trágica; mas permaneci com meus sonhos.
Me dediquei mais um tempo com educação pública;  e por fim a decepção me levou à exonerar o cargo de professora na rede pública. 
Defini dedicar mais tempo com a família, a cozinha que amo, com os bordados, com as pinturas, o crochê e com a literatura e meus escritos. Resolvi viver um pouco mais, plantar mais flores e cultivar amigos.
Continuo vivendo entre as montanhas que ficam entre Valadares e Teófilo Otoni, sempre que posso dou uma puladinha na minha saudosa e amada Jampruca.
Continuo escrevendo, vivendo e plantando flores...literalmente.



Angela Matos  MG

MiniBio

Ângela Matos é mineira de Jampruca, professora, com Licenciatura Português/Inglês, 12 anos de atuação na EJA e 16 no ensino médio, artesã e poeta. Tem dois livros publicados: Camuflagens do Amor e Devaneios. Foi casada por 7 anos e ficou viúva. Hoje, numa nova relação, é casada há 25 anos, tem 2 filhos casados e sem netos. É amante da natureza e de tudo que amplia o AMOR. WhatsApp (33)84163038. Confira https://www.facebook.com/angela.matos.39948


terça-feira, 13 de junho de 2017

Crônica de Uma Vida * José Estanislau Filho - MG

Crônica de uma vida



Outubro. 1951. Dia 20. Não há registro das horas.
  Consta na certidão, o nascimento de uma criança, pelas mãos de uma parteira, nos grotões da pequena cidade do interior de Minas, São João do Oriente. Entre quatro e seis anos, provavelmente, a família dessa criança mudou-se para outro roçado, no córrego Boleirinha, zona rural de Jampruca, localizada entre o Vale do Rio Doce e Mucuri. A mudança ocorrera, por conta de desavenças políticas. Em Jampruca crescera, entre o roçado e a rua. E o amor ao pé de ingá, onde sempre parava para saborear os frutos e descansar sob suas sombras; entre o trabalho no campo e o lazer com os filhos de companheiros camponeses ou no pequeno distrito, jogando sinuca e futebol; indo ao cinema. Os estudos primários eram, também, uma válvula de escape. De criança a adolescência, tudo passou muito rápido. Aos dezesseis, novamente por conta de desavença política, a família mudou-se para Engenheiro Caldas, mas lá permanecera por curto período: entre 1967 a 1970, quando, novamente mudam de cidade, desta vez, não por desavença política, pois o pai abandonara a contenda, mas por outros motivos, que não veem ao caso e, para não alongar a narrativa. Para onde ia, levava consigo o segredo do evento ocorrido às sombras do pé de ingá. Mudaram-se, então, para Itabirinha. Nesse período, matriculara-se no Ginásio Agrícola de Colatina-ES, em regime de internato. Tempos de ditadura militar; do tri campeonato mundial; do milagre econômico; do "ame-o ou deixei-o"; de "este é um país que vai pra frente". E consigo a lembrança do pé de ingá e do que ali ocorrera...
  Para que a crônica de uma vida não seja prolixa, o autor muda o rumo da prosa, e passa a falar de como a literatura entrou em sua vida. Tudo começou em Jampruca, lendo foto-novelas, quadrinhos e livros de bolso, que os irmãos e uma irmã, traziam das cidades grandes. Depois seguiram-se os clássicos nacionais e estrangeiros. José Alencar, Machado de Assis, Tolstoi, tudo que caía em suas mãos, até conhecer as primeiras bibliotecas e "comer" muitos livros. Das leituras a escrita, foi um pulo. Primeiro com diários, seguidos dos primeiros versos. A literatura descortina o mundo, abre horizontes. Assim, o jovem desbravou florestas; singrou mares; apaixonou-se por capitus e julietas; viu soldados e civis mortos nos front's; revoltou-se com as injustiças, que os livros de história e os romances narravam; buscou entender o sentido da vida com os livros de filosofia e na universidade da vida. Fez greve. Continuava sonhando escrever/revelar o que ocorrera sob as sombras do pé de ingá.
  Inevitavelmente a leitura despertaria a sua consciência política. Em busca de emprego, independência e sobrevivência, foi morar na capital. E do chão da fábrica ao sindicato, foi rápido. Quando a consciência de classe e política de que uma vida plena é um direito de todos se instala, não larga mais. Paralelamente a ação política, escrevia poesias, crônicas e contos. Sedimentava o escritor autodidata.
  Hoje, com vários livros publicados em edições marginais, assiste ao que pensou ser uma página virada na história: a nossa frágil democracia novamente golpeada, desta vez, não pelos militares, mas por uma quadrilha de parlamentares em conluio com a turbamulta. E como a consciência política e social instalou-se definitivamente, continua em ação, para mudar esta realidade.
  E prepara-se para escrever o que deseja ser o seu melhor texto: o evento ocorrido à sombra do pé de ingá.

Publicações:

1 - Nas Águas do Arrudas - poesias - 1984
2 - As Três Estaçoes - poesias - 1987
3 - O Comedor de Livros - poesias - 1991
4 - Crônicas do Cotidiano Popular - 2006
5 - Filhos da Terra - crônicas, contos com fechos poéticas - 2009
6 - Todos os Dias são Úteis - poesias - 2009
7 - Palavras de Amor - poesias - 2011
8 - Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros - 2012
9 - A Moça do Violoncelo (contos) e Estrelas - poesias (dois livros em um).



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domingo, 11 de junho de 2017

Crônica Autobiográfica * Antonio Cabral Filho - RJ

Crônica Autobiográfica


Nasci em 13 de agosto de 1953, em Jampruca, ex distrito do município de Frei Inocêncio - MG. Em 1964, após o golpe militar, fui para a escola, aos onze anos de idade, "graças" ao generalíssimo Castelo Branco, que baixou decreto obrigando as famílias a mandarem os filhos estudar. 
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Em 1967 concluí a quarta série, com média 7. Nessa época eu fazia teatro, na escola e na igreja, e, com a ajuda da única pessoa que eu considero Professora neste mundo, a Dona Adir, como eu ainda a chamo, montamos a peça O FILHO PRÓDIGO, com a intensão de realçar a auto-destruição em que se encontrava a juventude naquele momento. EU, fiz o papel do irmão mais velho, que realmente sou.
Durante as férias escolares de junho de 1968, dei uma chegada ao Rio de Janeiro para fazer uns biscates e comprar roupa nova, mas ao chegar no Catumbi, meu primo Sadi levou-me para conhecer a cidade. Era 26 de junho, dia da PASSEATA DOS CEM MIL. Passeei na passeata, virei passeateiro e ainda passeio em passeatas. 
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Em junho de 1969, meu Tio paterno Sebastião Cabral, mestre de obras no Rio de Janeiro, foi buscar peão para suas obras e eu me alistei. Falei com ele da necessidade de eu sair da roça, escapar das garras do meu pai e  deixar de ser mão-de-obra gratuita. Tinha quinze anos e era escravo do meu próprio pai. 
Ele compreendeu e arrancou-me da casa paterna, não sem antes anunciar-me as agruras da cidade. Ao chegar em seu barraco, na Favela da Mineira, meu romantismo com a cidade grande foi pelo valão abaixo. Vi cair aos meus pés um menino fuzilado pela polícia, que segundo foi dito, era traficante. Durante muito tempo eu tive pesadelos por causa disso. 
Morei na casa do meu querido tio até ir para o quartel. Matriculei-me na Escola Canadá, Rua São Carlos, no Bairro do Estácio e refiz o primário, transferi-me para a Escola Geny Gomes, no Rio Comprido e cursei a quinta e a sexta séries. 
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Era um tempo turbulento, com muitos professores fazendo "inquéritos" com os alunos, até o dia em que descobrimos um professor de história agente do SNI e ele nunca mais pôs os pés na escola... 
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Alistei-me no Exército e logo a seguir, entrei no Colégio Martin Luther King, fiz a sétima e a oitava séries. Com dez meses de recruta, "sentei praça" e virei soldado antigo; fui para o profissionalizante, no Curso Santa Rosa, Largo de São Francisco fazer contabilidade, em frente ao IFCS-UFRJ. Era 1974, fui promovido a cabo do exército, mas de olho no curso de sargento. Fiz o curso e passei, fiquei até início de 1976 aguardando a promoção que não veio e pedi baixa; passei no vestibular e fui cursar direito na UFF. Abandonei por desilusão com a filosofia do direito após o quarto período; fui para comunicação social, mas a psicologia da notícia acabou comigo. Caí na vida e estou pegando touro à mão. Escrevo, desde criança, por ter sido premiado várias vezes nos concursos de redação do Grupo Escolar Frei Inocêncio - MG, e me desenvolvi nos meandros literários de modo autodidata, pelas mãos de Graciliano Ramos, acrescido das oficinas e cursos nas áreas de conto e crônica. Mas não posso ignorar a contribuição do teatro, que faço esporadicamente de modo amador. Desenvolvi ótimas experiências escrevendo anúncios para jornais de bairro e programas de rádio, e isso levou-me  a compreender mais ainda o papel da linguagem publicitária na literatura, seja em prosa  ou em versos, graças a Paulo Leminski.

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sábado, 10 de junho de 2017

Cordel Trovado * Antonio Cabral Filho - RJ

Cordel Trovado
*
Meu bisavô João Cabral
Padrasto do meu avô,
Não sabe quanto é legal
Me orgulhar de quem eu sou.
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Meu avô “ José Cabral “
É José Pedro da Silva,
Mas acabou como tal
Pelas graças da mãe diva.
 *
Meu pai honra meu avô,
São CABRAIS de alto renome.
Seus legados dão valor
A quem tem Cabral no nome.
 *
ANTONIO CABRAL DA SILVA,
Que no Cavaco dedilha,
Espero que a lira sirva
De base na redondilha.
 *
ANTONIO CABRAL é homem,
Pois homem tem que ser homem.
Quem não tem verve de ANTONIO,
Tire o Cabral do seu nome.
 *
Sou ANTONIO CABRAL FILHO,
Que em sua presença emigra;
Do pinto que não quer milho
João Cabral que lho diga.
Sei que não fez porque qui-lo,
Mas o Antonio Cabral,
Assim, solteiro, sem FILHO,
Não sou eu nem o LEGAL.
 *
Todo CABRAL é parente,
Com raízes além mar,
Tem cara de boa gente,
Mas é bom não descuidar...
*
Antonio fui batizado
Por glória da devoção,
Mas CABRAL é meu legado
Pela pura tradição.
 *
Aquele que nasce ANTONIO
Não se dobra pelo cobre,
Pois vem de filão idôneo
E tem espírito nobre. 
***